quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sou um oceano no seu quarto
esparramado no cobertor recém lavado que te aquece
sempre faço com que você queria continuar

Sou um arco íris na sua cela de prisão
todas as suas lembranças
de tudo que você já cheirou
de tudo que já sentiu

Caindo para o lado da sua cama estreita
você está entre mim e a parede e os filtros dos sonhos
e a parede riscada da alma sente nossa falta

Sou um filho legítimo e um maconheiro
duas pernas que você abre e some
agora, longe, sabemos disso com certeza

Sou a mancha de sangue 
na manga da sua camisa
enquanto todos tentam te matar e te lamber
te ensinarei, de novo, a dançar
dentro de um manicômio

Só não esqueça, não consigo esconder
havia um jogo que tentei incendiá-lo
mas tocamos o sinal de alerta antes do combinado.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Ele me deu um beijo na boca e me disse, "a vida é oca, como a toca de um bebê sem cabeça", e eu ri à beça.

E meus deuses são cabeças de bebês sem tocas, era um momento sem medo e sem desejo, ele me deu um beijo na boca e eu correspondi aquele beijo...
A víbora da vaidade literária infere por vezes mordeduras muito fundas e até incuráveis, particularmente aos homens limitados.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

E na empolgação dos primeiros dias de alegria eu digo a mim mesmo (sem imaginar o que vou estar fazer em três semanas) "chega dessa vida desregrada, é hora de observar o mundo em silêncio e até de aproveitar as coisas, primeiro num bosque (nesse momento lembrei da chapada diamantina, suas árvores gigantes, centenárias, centenas de tipos de todas as árvores e cores, um vale afundado pela mineração no coração da natureza.), depois caminhar e falar tranquilamente com as pessoas mundo afora, sem grandes bebedeiras, sem grandes farras, sem ninguém por tão perto.

Não vou mais me perguntar "Ó, porque deus me tortura desse jeito?"... É isso aí, vou ser um solitário, viajar, falar só com os garçons, é sério, pelo país que nasci, falando só com o garçom, dar umas voltas, chega de agonias autoimpostas. É hora de refletir e observar e de se manter concentrado no fato de que afinal toda a superfície do mundo que nós conhecemos vai acabar soterrada pela poeira de bilhões de anos... Sim, mais solidão então."

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Essas esquinas 
quando acabam por me conhecer
doem e torcem os rostos.

O que fiz para merecer essa paz?
O sol esquenta de dentro para fora
pelas vidraças da igreja principal

Tudo é demais na fatalidade dos horários
programados e revertidos de fora pra dentro.

Fatal que seja de você
desautorizo edições
você quis ir, e tudo que foi
a cada dia que passa, deixa ser.

Há sabedoria na chuva que se aproxima
fumo um cigarro no banheiro dos fundos
e me preparo pra voltar
é bom ter pra onde voltar
mesmo quando nada, nada dá certo.

É bom voltar sozinho pra casa.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Em frente a minha janela
há uma árvore
e ela está todo dia lá
só para mim

Ela é grande e suja de carbono
balança de noite sem fazer barulho
parece uma mãe desesperada
e fica lá no cinza da cidade

Não há piedade para a árvore
ou para mim.

Há um mundo de dor
ao meu redor e dela
um mundo de cair de chuva.

Existe uma razão para isso hoje?
Ela escuta os gritos loucos da cidade
enquanto procura o filho que lhe foi tirado
no meio de tanto cinza.

Não há piedade para uma árvore em crescimento.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Se os dias agora são feitos de susto, talvez seja influência da noite agindo sobre nós. Há os que produzem e há os que transformam a própria existência em uma máquina produtora. Você não precisa ter lido todos os livros para saber o que não se aprende. Não serei eu quem te dará um nome. Há sempre uma noite disposta a abrir as portas quando as ruas não ousam oferecer perigo. O certo é que beberei. Mas o quase certo é que você não estará lá. Nem aqui. Mas o absolutamente certo é o que eu não ousarei ficar. Nem aqui. Hoje faz uma semana. Hoje faz um ano. Nem aqui. Há sempre uma misteriosa simetria na ordem dos nossos encontros. Haverá. Nem aqui. As conversas adquirem caetanos quando as rodas ousam se dilatar. Aceitamos a idade assim como nossos discos destinados a fracassar. Há um sol pronto para nascer. Haverá. Existem rodas melancólicas que não te levarão a lugar algum. O lugar mais frio do rio é o meu quarto. Testemunhar apaixonamentos alheios não é minha diversão preferida. O lugar mais frio do rio é o meu quarto. Atravessar uma noite no lugar mais frio do rio. Existem planos que precisam ser feitos. Existem datas prontas para serem colocadas em prática. Há sempre um certo sagrado na madrugada. Haverá. A sabedoria do corpo em paixão é cruzar noites inteiras. Existem aqueles que te desejam o mal. Desejarão. Sem saber o que ganhará de volta um de nós decide começar a jogar. Decidirá. Quase ninguém sabe o que aconteceu. Saberá. Em pouco tempo estaremos na capa de todos os jornais. Será, de novo, temporada de caça às raposas. Agora eu habito o chão. Verlust finalmente ousa encalhar. Faz sol através das frestas da janela do meu quarto. A cápsula, fechada, trajeta entre dois pontos infinitamente distantes. Só muito longe daqui ousarei me abrir. Por enquanto, contento-me com as frestas. E com as pálpebras semicerradas.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ela chegou fazendo barulho. Todas fazem. Abre sem bater na porta e pergunta se tem água na geladeira.

-Você nunca bate a porta?
- Tem água na geladeira?
-Só na torneira.

E reclama de como nós, homens, somos porcos.

- Ah, vocês homens são uns porcos!

Permaneço na sala, sentado na cadeira de praia com a cabeça encostada na parede. Olhando ela ir e vir, pra lá e pra cá, parece uma louca. Todas são loucas. Pega uma vassoura, arrasta umas baratas de trás do fogão, passa um paninho aqui, outro ali e não consegue ficar quieta. Nenhuma consegue. 

Essa noite ela limpou a casa rapidamente, oito minutos e alguns segundos, a cada dia conseguia melhorar seu tempo, bravo! Parece que se preparava pra algum tipo de olimpíada das piniqueiras, enquanto lançava pratos no melhor estilo frisbee até pia, mandava eu levantar os pés para recolher os cigarros. Genial...

Várias noites se seguiram assim. Pratos lavados, baratas do lado de fora, água da torneira, e muita, muita reclamação! Todas reclamam. Eu apenas ficava calado, na mesma posição. Sentado na cadeira de praia com a cabeça encostada na parede e um cigarro no bico. Não me incomodo com muita coisa.

- Você passa o dia todo nessa cadeira de praia, com a cabeça encostada na parede e um cigarro no bico! Vagabundo!

Tá, deixa eu tentar explicar. Lia apareceu do nada. Não, ela tinha uma vida antes da qual eu não fiz parte e ainda não faço, então.... Tá, espera, vou tentar explicar de outra forma. Lia foi abandonada pelo marido há poucos dias e resolveu passar uma temporada na minha casa. Sabe como é, tentar esquecer aquele safado. Todas (vulgar, vulgar...), arrumam mais um mané disposto a carinhos e algumas bimbadas rápidas que a façam esquecer o outro. Aquele safado... É isso, explicações dispensam a poética.

Então Lia apareceu com uma mala verde, dois sacos plásticos com coisas que não sei até hoje e uma bolsa marrom furreca de couro cheia de utensílios. Elas precisam de muito, muito tudo... Até hoje não sei o motivo de ter aceitado tal oferecimento. Sou forte o bastante para aguentar as minhas frustrações e convivo bem com isso, mas o sofrimento alheio me incomoda mais do que deveria. 2008, 18 anos, enquanto voltava de uma festinha qualquer, caminhando despretensiosamente para casa, frio, peito úmido, aquela velha vontade de vomitar meu ser por completo e deitar o mais rápido possível, encontrei uma bêbada deitada na calçada entre o poste e a árvore. Fodida, estado deplorável do ser humano. Em um acesso reflexivo, desses quando a gente acha que é poeta e entende de alguma porra, pensei na sua família, ocupação, seu trabalho todas essas coisas irritantes que gostamos de nos ocupar, desviei do corpo e segui em caminhada. Algumas jardas na frente pensei em voltar e pelo menos checar se ela ainda tinha pulsação. Qual importância?

 Desde então algo falta em mim, uma lacuna vazia que tento preencher com cerveja barata.

Eu tentei convencê-la, mostrá-la que não estava pronto e por mais que fôssemos amigos, eu não podia fazer muito por ela, além de um cômodo, travesseiro e lençois semi limpos. Porra, Estava fodido, deixado, tentando achar adubo no meio de tanto estrume. Uma réstia de luz, um deja vu, o rosto de Jesus numa torrada, qualquer merda que me desse vontade de fazer alguma coisa nova. Realmente não estava afim de muita conversa. Conversa alguma! Um homem precisa ficar só para dar o passo seguinte e ver no que vai dar, mesmo tendo vaga ideia dos próximos capítulos. Ah, Todas fingem não saber disso...