terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O melhor momento do dia a caminho da sala de aula é quando consigo realizar todo trajeto desde a entrada pelo portão principal da universidade até o restaurante universitário sem encontrar viva alma conhecida. Apesar da eterna procura por pessoas que de alguma forma deem sentido a esse mundo ou aos afazeres diários, me encontro sempre pairando no universo da obviedade e cada um que se aproxima de mim parece mais estático que os animais empalhados que eu gostava de ver em museus quando criança, apesar de possuírem todos membros em perfeito estado e se acharem em total sanidade mental.

Prefiro caminhar e dar por fim o que tenho que fazer, por isso as vezes desvio para esquerda ou direita, dependendo do trajeto contrário que vem fazendo alguém que eu possa conhecer e escapo dos indesejáveis e repetitivos cumprimentos que são tão angustiantes quanto o meu gato a miar por estar condenado a passar o resto de sua vida a atrofiar seus instintos animais preso nesse apartamento minúsculo.

Certo dia acordei estranho, suando mais que o normal e a tremer o corpo todo, feito criança quando contrai as primeiras doencinhas e chora de febre. Demorei a desvencilhar o lençol do meu raquítico corpo mas sabia que precisava fazer isso para cumprir com as obrigações diárias. Diante do espelho senti uma repulsa amarga e um sentimento de vazio, de vazio mesmo, não um vazio de emoções ou algo melancólico, eu senti meu corpo vazio, sem entranhas nem fígado nem estômago nem coração só a pele visível e um sopro sombrio ocupando o que me sustentava em pé. Por deus, nem vivo nem morto e com duas bolas penduradas entre as pernas. Senti vontade de estraçalhar o espelho mas não tive coragem e isso só fez aumentar minha ineficiência que sempre se fez presente em qualquer coisa que eu tente fazer.

Ao atravessar o portão já me encontrava dentro da universidade e fui andando ao meu destino, desviando dos buracos e das pessoas. Não lembro detalhadamente do céu mas provavelmente estava enegrecido e com nuvens densas, lembro do cheiro nostálgico da relva molhada com a chuva da noite anterior e de duas crianças de sete ou oito anos encapuzadas capinando o mato em frente ao bloco de ciências humanas. 

Já na fila quilométrica onde os estudantes se aglutinam sem questionar pra pegar a boia tentei me concentrar em não escutar ou pelo menos não entender (isso era mais fácil) as conversas sem nexo ou final lógico da juventude comprometida em ser o futuro do país, mas era impossível.

- É sério, ele falou isso! Que eu era gorda e que meus dentes são tortos.. Ha ha

- Que vibe em?

-Gratidão.

- Namastê


- O Brasil está assim por causa desse monte de gay que quer empurrar sua doutrina gayzista e destruir a família.

- Essa carne fede a cavalo. Deve ser de cavalo mesmo.

Almocei e fiz o trajeto até a sala de aula, me sentia um pouco melhor e disposto até mesmo a arriscar uma prosa ou outra no caminho. Talvez o problema esteja comigo, comecei a pensar, e talvez seja hora também de me encaixar mais nas coisas ao redor ao invés de querer encaixar os outros ao meu mundo.

Chegando em casa liguei o rádio e me estendi na cama esperando não acordar tão mal novamente.
 - É tudo uma questão de adaptação, sempre disse a minha mãe. - É preciso engolir alguns sapos para se conseguir o que quer. Se ela tivesse dito que era preciso engolir baldes de merda todos os dias só para sair da cama eu não acreditaria, porém ela nunca estaria tão certa.