sábado, 14 de julho de 2012

Quanto mais fico indeciso, mais as coisas se decidem por elas mesmas. E isso é fantástico! Nada como o acaso, a superficialidade nua e ingênua de cada acontecimento. Ultimamente tenho sentido prazeres momentâneos e revigorantes. Lembro da minha infância, quando fazia barquinhos de dobraduras em folhas de ofício. Eu passava a semana produzindo barcos de várias cores e vários tipos de dobraduras. Uns eram pequenos e pareciam ser mais frágeis, por exigirem mais cautela e concentração, fazia-os de noite, quando todos estavam dormindo. Outros barcos eram enormes. de duas ou três folhas. Grandes e imponentes, eu me sentia orgulhoso por eles.


Nos finais de semana, eu fugia para o rio, que naquela época ainda era limpo e frequentável. Ah, não posso deixar passar em branco as lembranças que o rio me traz, me perdoem por não seguir uma história linear e por não ser tão objetivo, mas ultimamente tenho sido muito dramático e isso faz parte de mim. Mas o rio, sim! O rio São Francisco era incrível, uso a frase no passado pois há muito tempo que não volto ao sertão - mas tenho certeza que ele continua majestoso, mesmo com a destruição que o progresso causa - Lembro que quando tinha em media 8 anos, antes de criar barcos, gostava de sentar à beira do rio. Saia da escola depressa e caminhava algumas centenas de metros até a orla. Pulava algumas cercas de proteção, sentava sempre na mesma pedra (que ainda deve ter meu nome talhado) e ficava olhando fixamente no olho do rio. Um redemoinho que se formava sutilmente no centro das águas, por longos minutos,  enquanto a água girava vagarosamente em torno de si mesma, eu pensava fantasiosamente que aquele era o olho do rio que se abria sempre que eu sentava na mesma pedra. 


Comecei a brincar com os barcos um pouco depois, não lembro ao certo, talvez dez ou doze anos, tinha o desejo infantil de alcançar o olho do rio. Aos sábados fazia o mesmo percurso de sempre. Com alguns barcos e uns biscoitos na mochila que ficava muito grande nas minhas costas, corria alegre ao rio. Os barcos menores afundavam mais rápido mas eram mais velozes. Os grandes flutuavam como se de metal fossem, mas nenhum conseguia alcançar o olho, nenhum nunca conseguiu alcançar o olho. Hoje, um pouco mais velho, me pergunto: "Se algum barquinho tivesse alcançado o redemoinho? O que aconteceria?" Talvez eu me sentisse satisfeito e parasse de fazê-los. Talvez eu achasse que foi muito fácil e procuraria outros desafios ou simplesmente iria continuar sentado na pedra, sentindo-me feliz e calmo em meio a toda natureza que me circundava.


A verdade é que até hoje crio barcos só que com dimensões diferentes. Alguns mal me cabem de tão pessoais, outros são incomensuráveis, verdadeiros transatlânticos que carregam mais do que eu podia imaginar, cargueiros gigantes que passam dias à deriva no meio do nada, sem rumo, nem prumo, nem bússola. Nem o sol aparece para guiar corretamente e apontar leste ou oeste. 


Não se pode chegar ao olho.

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