segunda-feira, 3 de outubro de 2016

  A primeira vez que tive contato com Celine foi coisa de cinco anos atrás se mais uma vez não me decepciona a falha memória. Eu cursava história em uma universidade e andava mais perdido que uma formiga faminta em um piquenique.

  Contando os pormenores eu posso dizer que era algum dia útil da semana e eu me preparava para ir pegar um ônibus rumo a casa de uma garota com quem me relacionei na época. Relação conturbada por sinal, mas tentarei me ater a apenas um assunto. É sempre assim, começo falando de uma coisa e então já penso em outra, quando criança o médico disse que isso era por causa de um déficit de atenção seríssimo. Viu? Já falei sobre várias coisas. O médico nunca esteve tão certo. Vamos tentar recomeçar.

  Nessa época eu lia bastante. Passava horas nos alfarrábios da cidade pechinchando livros, garimpando estantes empoeiradas e esquecidas. Não saia de casa sem um livro debaixo do braço, era mais fácil esquecer de vestir a camisa que atravessar o portão sem algo para ler. Lia andando, no ônibus, na fila, comendo e também sonhava com as minha frases preferidas que fazia questão de decorar. Os que conviviam comigo sofriam com meus delírios literários. se me visitavam em casa eram obrigados a escutar por horas o que eu tinha a dizer sobre vários autores, eu declamava poesias e se estivesse bêbado então era impossível me aguentar.

  O principal resultado desse contínuo enlevo literário foi me inflamar a novas revoltas, me sentia louco, excêntrico, começava a me afastar dos mais próximos e a tratá-los com desprezo, realmente beirando o desespero. Em certo ponto fiquei definitivamente triste e infeliz, precisava mudar. Achava que com uma mudança de ares esse sentimento que me ensandecia poderia ser correspondido. De uma formiga perdida em um piquenique me tornei uma, das bem pequeninas, perdida no mundo, larguei tudo e fui embora, mas não por muito tempo. As primeiras fuga nunca dão certo.

  Tudo isso para contar que ao ler Viagem ao fim da noite de Celiné eu senti a mesma excitação e desespero e loucura daquele tempo em que decidi abandonar tudo e ir viver ao livre, me sustentar com minhas próprias mãos e descobrir o que o mundo e as pessoas me reservavam.

  E é exatamente isso, cada aventura de Bardamu era uma pérola achada, eu sofregava de um parágrafo para o outro, era como um intenso e sufocante mergulho. Todas as sensações estavam ali, fortes, pulsantes, cruas. O meu próprio miserável e egoísta mundo sendo recriado e tomando novas formas por todos os lados. Seu modo de escrever então é fascinante e apesar das traduções perderem um pouco do real sentido, o português e o francês são irmãos gêmeos por terem como origem o latim. Um dia estudarei francês para ler a obra original.

  Hoje eu terminei de lê-lo pela terceira ou quarta vez e a sensação é a sempre a mesma. Se um dia eu fingi intensamente ser Arturo Bandini, a partir dessa época tive mais um herói que de algum modo salvou minha vida, para o bem ou para o mau.

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