quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ela chegou fazendo barulho. Todas fazem. Abre sem bater na porta e pergunta se tem água na geladeira.

-Você nunca bate a porta?
- Tem água na geladeira?
-Só na torneira.

E reclama de como nós, homens, somos porcos.

- Ah, vocês homens são uns porcos!

Permaneço na sala, sentado na cadeira de praia com a cabeça encostada na parede. Olhando ela ir e vir, pra lá e pra cá, parece uma louca. Todas são loucas. Pega uma vassoura, arrasta umas baratas de trás do fogão, passa um paninho aqui, outro ali e não consegue ficar quieta. Nenhuma consegue. 

Essa noite ela limpou a casa rapidamente, oito minutos e alguns segundos, a cada dia conseguia melhorar seu tempo, bravo! Parece que se preparava pra algum tipo de olimpíada das piniqueiras, enquanto lançava pratos no melhor estilo frisbee até pia, mandava eu levantar os pés para recolher os cigarros. Genial...

Várias noites se seguiram assim. Pratos lavados, baratas do lado de fora, água da torneira, e muita, muita reclamação! Todas reclamam. Eu apenas ficava calado, na mesma posição. Sentado na cadeira de praia com a cabeça encostada na parede e um cigarro no bico. Não me incomodo com muita coisa.

- Você passa o dia todo nessa cadeira de praia, com a cabeça encostada na parede e um cigarro no bico! Vagabundo!

Tá, deixa eu tentar explicar. Lia apareceu do nada. Não, ela tinha uma vida antes da qual eu não fiz parte e ainda não faço, então.... Tá, espera, vou tentar explicar de outra forma. Lia foi abandonada pelo marido há poucos dias e resolveu passar uma temporada na minha casa. Sabe como é, tentar esquecer aquele safado. Todas (vulgar, vulgar...), arrumam mais um mané disposto a carinhos e algumas bimbadas rápidas que a façam esquecer o outro. Aquele safado... É isso, explicações dispensam a poética.

Então Lia apareceu com uma mala verde, dois sacos plásticos com coisas que não sei até hoje e uma bolsa marrom furreca de couro cheia de utensílios. Elas precisam de muito, muito tudo... Até hoje não sei o motivo de ter aceitado tal oferecimento. Sou forte o bastante para aguentar as minhas frustrações e convivo bem com isso, mas o sofrimento alheio me incomoda mais do que deveria. 2008, 18 anos, enquanto voltava de uma festinha qualquer, caminhando despretensiosamente para casa, frio, peito úmido, aquela velha vontade de vomitar meu ser por completo e deitar o mais rápido possível, encontrei uma bêbada deitada na calçada entre o poste e a árvore. Fodida, estado deplorável do ser humano. Em um acesso reflexivo, desses quando a gente acha que é poeta e entende de alguma porra, pensei na sua família, ocupação, seu trabalho todas essas coisas irritantes que gostamos de nos ocupar, desviei do corpo e segui em caminhada. Algumas jardas na frente pensei em voltar e pelo menos checar se ela ainda tinha pulsação. Qual importância?

 Desde então algo falta em mim, uma lacuna vazia que tento preencher com cerveja barata.

Eu tentei convencê-la, mostrá-la que não estava pronto e por mais que fôssemos amigos, eu não podia fazer muito por ela, além de um cômodo, travesseiro e lençois semi limpos. Porra, Estava fodido, deixado, tentando achar adubo no meio de tanto estrume. Uma réstia de luz, um deja vu, o rosto de Jesus numa torrada, qualquer merda que me desse vontade de fazer alguma coisa nova. Realmente não estava afim de muita conversa. Conversa alguma! Um homem precisa ficar só para dar o passo seguinte e ver no que vai dar, mesmo tendo vaga ideia dos próximos capítulos. Ah, Todas fingem não saber disso...





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